Tolerância zero. Será?

A Administração Geral Tributária (AGT) de Angola está comprometida em não tolerar condutas que manchem a instituição, colocando-se à frente na denúncia de casos, como a recente acção judicial movida contra alguns funcionários, garantiu hoje o presidente do Conselho de Administração da AGT, Sílvio Burity.

A defesa da honorabilidade da AGT foi feita por Sílvio Burity à margem da palestra “As administrações tributárias no século XXI”, que assinala o terceiro aniversário da instituição.

Em causa está a detenção, em Outubro, de cinco funcionários da AGT por suspeitas de desvio de receitas, que apontam para 170 milhões de kwanzas (cerca de 870 mil euros), da cobrança de impostos a empresas importadoras.

Questionado pela agência Lusa, se o facto traduz uma mancha nos três anos de actividade da AGT, Sílvio Burity garantiu que a instituição tem valores a preservar.

“Esses casos são detectados pela instituição e a instituição é que canaliza para os órgãos de justiça, portanto, há aqui uma obrigação legal que a instituição cumpre e é a própria instituição que quer que estas condutas sejam devidamente tratadas”, disse o responsável, acrescentando que entre os valores a preservar, “a transparência e a honestidade” são os que mais destacam.

“Entretanto, a AGT tem os seus funcionários e na actuação de alguns funcionários, eles desviam-se muitas vezes das normas da instituição”, disse.

Segundo Sílvio Burity, a própria instituição tem um gabinete de auditoria e integridade institucional, que com a sua acção “tem vindo a detectar esses casos”.

“É a própria estrutura da instituição que tem vindo a detectar esses casos, portanto, nós como instituição e as nossas obrigações para com os contribuintes obrigam-nos a ter uma conduta exemplar e nós temos vindo a incentivar o cumprimento junto dos nossos trabalhadores e existe um compromisso de não tolerância com essas condutas”, assegurou.

E o caso dos terrenos no Cuanza Sul?

A 5 de Junho de 2014, como revelou Rafael Marques de Morais, o director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, requereu com sucesso ao governador provincial do Cuanza Sul (general Eusébio de Brito Teixeira, pois claro), a legalização de 8 974 hectares para os seus projectos privados de agro-pecuária.

O terreno em causa está situado na comuna de Quimbalanga Haco, no município do Mussende, e divide-se em duas áreas contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares, Sílvio Franco Burity apresentou o requerimento na qualidade de representante da empresa privada Grano Gado Lda. O governante detinha formalmente metade das acções da Grano Gado, enquanto o seu sócio e administrador da empresa, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, detinha a outra metade.

Indiferentes à legislação em vigor, quer pela impunidade quer pela arrogância, usaram o princípio constitucional de que a terra pertence ao Estado, assim se apoderando dela para fins privados. Do ponto de vista legal, a negociata entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio de Brito Teixeira violou a Lei da Probidade. Compete à Direcção Nacional do Património do Estado, um órgão executivo do Ministério das Finanças, a inventariação, o controlo e a orientação, entre outros, dos órgãos da administração local, incluindo os afectos aos da província do Cuanza Sul.

A Lei da Probidade estabelece que “a actuação do agente público deve ser orientada para o interesse comum, à margem de qualquer outro facto que exprima ou favoreça posições pessoais, familiares, corporativas ou quaisquer outras que colidam com o interesse público”.

Por outro lado, a mesma lei define como acto conducente ao enriquecimento ilícito a aceitação de emprego ou consultoria para terceiros, no caso de estes poderem beneficiar da acção ou omissão “decorrente das atribuições do agente público, durante a actividade”.

A Grano Gado tinha um sócio-gerente, que poderia perfeitamente ter apresentado o requerimento, mas Sílvio Franco Burity assumiu-se como o verdadeiro gerente da empresa e usou a sua condição de servidor público para agilizar a legalização dos terrenos. De forma astuta, o sócio do director nacional do Património do Estado, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, também requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de terra, a sul do terreno solicitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano Gado.

A norte, o terreno requerido pelo referido sócio confina com o terreno pessoal do director nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contíguo com 11 887 hectares. Com o referido esquema, os sócios cometeram o que, na altura, o jurista Rui Verde descreveu como “uma fraude à lei que proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares sem aprovação do Conselho de Ministros”.

Com a Constituição de 2010, cabe exclusivamente ao presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares. Como podia Sílvio Franco Burity exigir, no exercício das suas funções, a prestação de contas sobre o património do Estado sob tutela do general Eusébio de Brito Teixeira, se este lhe faz o “favor” de lhe conceder terras em tempo recorde? Não é estranho o facto de o governador do Cuanza Sul ter abocanhado, em menos de dois anos, mais de 300 quilómetros quadrados de terra, na província sob seu domínio, ou seja, uma extensão territorial equivalente a 34 cidades do Kilamba?

No mesmo período, e apenas para a família presidencial, o governador legalizou perto de 350 quilómetros quadrados de terra. É o princípio corrompido da máxima segundo a qual “uma mão lava a outra”.

O jurista Manuel Neto entende que as leis angolanas “servem mais para mostrar ao Ocidente que temos um estado de direito democrático com leis modernas”.

Nessa altura o Maka Angola contactou o gabinete do director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco Burity, para conhecer a sua reacção formal, mas não obteve resposta.

Por sua vez um especialista em agronomia criticou grandes concentrações de terra na mão de apenas alguns indivíduos: “Este é um mal que vem do tempo colonial, quando apenas se cultivava dez por cento da área cedida, em média. Agora é menos de um por cento”. Para o especialista, ”o único impacto positivo é a criação de emprego, embora muitos paguem mal e tratem os trabalhadores pior do que no tempo colonial”.

Por despacho exarado pelo Ministro das Finanças (Archer Mangueira, que manteve a pasta por decisão de João Lourenço) emitido a 29 de Dezembro de 2016, Sílvio Franco Burity foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da Administração Geral Tributária.

Folha 8 com Lusa e Maka Angola

Artigos Relacionados

Leave a Comment